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A Lei da Liberdade Econômica – LEI 13.874/2019

INFORMATIVO SOBRE A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA

(LEI 13.874/2019)

 INTRODUÇÃO

A Lei 13.874/2019, que institui a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, foi sancionada em entrou em vigor em 20 de setembro de 2019, e tem origem na Medida Provisória nº 881/2019 (MP da Liberdade Econômica).

O texto legal estabelece garantias de livre mercado e traz medidas de desburocratização e simplificação de processos para empresas e empreendedores.

A novel legislação trouxe significativas mudanças sobre variados ramos do Direito, mas especialmente nas searas do Direito do Trabalho, Direito Civil e Direito Empresarial. Importante destacar que muitas dessas mudanças não têm aplicação imediata, pois dependem da regulamentação pelo Poder Executivo, porém é necessário que as empresas comecem a se adequar às novas regras.

A seguir, traçaremos breve esboço desses impactos.

 DIREITO DO TRABALHO

A chamada Lei de Liberdade Econômica trouxe algumas mudanças significativas no ramo do Direito do Trabalho, sempre com vistas a reduzir a burocracia sobre atividades da economia e facilitar empreendimentos. Dentre as mudanças trabalhistas, destacamos os seguintes pontos:

  • Registro de Ponto

O registro de jornada passará a ser obrigatório apenas para as empresas com mais de 20 empregados. Hoje a regra obriga a marcação para empresas com mais de 10 empregados.

Importante esclarecer que não se trata de supressão de direitos trabalhistas, já que a dispensa do registro não se confunde com a exclusão do direito a horas extras. As horas extras serão devidas sempre que prestadas e não regularmente compensadas, independente de registro e do número de empregados do estabelecimento.

Além disso, a existência de registro será necessária para viabilizar qualquer regime de compensação de horas, ainda que o estabelecimento tenha menos de 20 empregados.

  • Permissão do registro de ponto por exceção

Autoriza que o empregador efetue o controle apenas da jornada extraordinária, desde que haja acordo coletivo ou individual nesse sentido. Ou seja, sempre que a jornada for ordinária/regular, nada se anota. Essa possibilidade já estava prevista desde 2011 na Portaria 373 do Ministério do Trabalho e Emprego, contudo por se tratar de norma administrativa, o registro por exceção não vinha sendo aceito pelo Poder Judiciário. Com a inclusão da nova regra dentro da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não há como prever se essa resistência por parte da Justiça do Trabalho se manterá.

  • Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)

Foi criada a carteira de trabalho digital em substituição da carteira de trabalho impressa (a chamada CTPS). Os procedimentos para emissão da CTPS ainda serão estabelecidos, através de regulamento próprio, pelo Ministério da Economia. Enquanto isso não ocorre, as CTPS tradicionais permanecem em uso.

Outra inovação importante foi a exclusão da CLT da previsão de prazo para devolução da CTPS ao empregado e da multa pela retenção do documento. A disposição faz todo sentido, uma vez que a CTPS passará a ser digital e terá como identificação única o número do CPF do empregado,

  • eSocial

O sistema e-Social será substituído por sistema simplificado de escrituração digital de obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais. No entanto, a lei não estabelece um prazo para criação e implementação desse novo sistema, de modo que, até que o novo “sistema simplificado” seja criado, o eSocial permanece obrigatório.

  • Apresentação de documentos em formato eletrônico

À empresa será permitido arquivar os documentos trabalhistas exclusivamente por meio de microfilme ou por meio digital, para todos os efeitos legais, inclusive fiscalizações, desde que obedecidos requisitos técnicos estabelecidos em regulamento a ser editado pelo Poder Executivo, observando-se, ainda. que:

I – para documentos particulares, qualquer meio de comprovação da autoria, integridade e, se necessário, confidencialidade de documentos em forma eletrônica é válido, desde que escolhido de comum acordo pelas partes ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento; e

II – independentemente de aceitação, o processo de digitalização que empregar o uso da certificação no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) terá garantia de integralidade, autenticidade e confidencialidade para documentos públicos e privados.

  • Desconsideração da personalidade jurídica:

Esta é, na verdade, uma alteração ao Código Civil com impactos trabalhistas. A nova legislação dispõe expressamente que “A pessoa jurídica não se confunde com seus sócios, associados, instituidores ou administradores”, além de garantir que essa autonomia patrimonial tem como finalidade estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

Assim, para que a execução atinja os bens pessoais dos sócios (com a desconsideração da personalidade jurídica), é necessário comprovar que tenha havido abuso da personalidade jurídica, esta caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Além disso, a Lei de Liberdade Econômica traz as definições do que que pode ser considerado desvio de finalidade e confusão patrimonial, eliminando as possibilidades de interpretações divergentes e, consequentemente, reduzindo a insegurança jurídica.

 

DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL

Também no âmbito do Direito Civil e Empresarial, a Lei da Liberdade Econômica traz algumas mudanças significativas e importantes, valendo destacar os tópicos seguintes:

  • A nova sociedade limitada de sócio único

A Lei da Liberdade Econômica promoveu alterações no art. 1.052 do Código Civil, que passa a prever expressamente a possibilidade de criação de sociedades limitadas de sócio único, sem a necessidade de comprovar capital social mínimo.

E o que isso difere das chamadas EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada)? O principal ponto de diferenciação é que para se constituir uma EIRELI é necessária a integralização, no momento da constituição da empresa, de um capital social não inferior a 100 salários mínimos, valor impeditivo para a maior parte dos microempresários do país. Com a Lei nº 13.874/19, optou-se pelo caminho mais simples de permitir a criação de sociedades limitadas de apenas um sócio, sem a exigência de capital mínimo totalmente integralizado.

  • Desconsideração da personalidade jurídica

Como já tratado em tópico específico sobre a desconstituição da personalidade jurídica com implicações trabalhistas, a Lei da Liberdade Econômica traz alterações expressivas e significativas quanto à autonomia patrimonial de sócios e pessoas jurídicas.

Com a edição da Lei da Liberdade Econômica restou expressamente previsto que a mera existência de grupo econômico, sem a presença de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Tais disposições, aliadas à definição clara e precisa do que pode ser considerado abuso da personalidade, desvio de finalidade ou confusão patrimonial praticamente elimina a possibilidade de interpretação extensiva, permitindo maior segurança aos sócios, associados, instituidores e administradores, pois seu patrimônio é reconhecidamente separado do patrimônio da empresa em caso de falência ou execução de dívidas. Somente em casos de intenção clara de fraude, sócios poderão ter patrimônio pessoal usado para indenizações.

  • Negócios jurídicos

Outra introdução importante trazida pela Lei da Liberdade Econômica diz respeito à autonomia e liberdade na interpretação dos negócios jurídicos.

As partes, a partir da Lei 13874/2019, passarão a poder livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos, ainda que de forma diversa daquela prevista em lei.

Foi privilegiado, ainda, o princípio da intervenção mínima, segundo qual, nas relações contratuais privadas, deverá ser preservada a vontade das partes contratantes, que são presumivelmente paritárias e simétricas até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, com intervenção mínima e revisão contratual tratada como uma excepcionalidade.

Há, no entanto, princípios de interpretação que deverão ser seguidos, dentre os quais:

I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;

II – corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;

III – corresponder à boa-fé:

IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e

V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.

  • Declaração de Direitos da Liberdade Econômica

Outro ponto de extrema relevância foi a desburocratização do exercício de atividades econômicas, denominadas na Lei 13.874/2019 como “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, que podem ser assim resumidos:

I – As empresas poderão exercer atividade econômica de baixo risco, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação de atividade econômica. Isso equivale a dizer que determinadas atividades, listadas em regulamento próprio emitido pelo Poder Executivo Municipal ou, na sua ausência, pelo Poder Público Federal, poderão exercer a sua atividade econômica sem a necessidade de alvarás e licenças.

II – Poderão também exercer suas atividades econômicas em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, desde que observadas: a) as normas de proteção ao meio ambiente, incluídas as de repressão à poluição sonora e à perturbação do sossego público; b) as restrições de condomínio e direito de vizinhança; e c) as normas trabalhistas.

III – As empresas poderão definir livremente o preço de produtos e serviços como consequência da oferta e da demanda, exceto se a) com a finalidade de reduzir o valor do tributo, de postergar a sua arrecadação ou de remeter lucros em forma de custos ao exterior; e b) importam em violação da legislação de defesa da concorrência, aos direitos do consumidor e às demais disposições protegidas por lei federal;

IV – Todos deverão receber tratamento isonômico do Estado;

V – A boa-fé, nos atos praticados no exercício da atividade econômica é presumida, de modo que a duvida de interpretação em direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver disposição legal em contrário;

VI – As empresas poderão desenvolver, executar operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos estabelecidos em regulamento que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, os procedimentos, o momento e as condições dos efeitos;

VIII – Os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação;

IX – A ausência de resposta após o decurso do prazo fixado pela autoridade pública para apreciação do pedido do particular importará em aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvado a) as hipóteses expressamente vedadas em lei; b) questões tributárias; c) registro de marca; d) compromisso financeiro da administração pública;

X – Será permitido o arquivamento de qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico;

XI – Não poderá ser exigida medida compensatória ou mitigatória abusiva, em sede de estudos de impacto ou outras liberações, exceto quando resultantes de acordos decorrentes de ato ilícitos. Para fins da Lei da Liberdade Econômica, entendem-se como abusivas a exigência que: a) requeira medida que já era planejada, sem que a atividade econômica a altere; b) utilize-se do particular para realizar execuções que compensem impactos que existiriam independentemente do empreendimento ou da atividade econômica solicitada; c) requeira a execução ou prestação de qualquer tipo para áreas ou situação além daquelas diretamente impactadas pela atividade econômica; ou d) mostre-se sem razoabilidade ou desproporcional, inclusive utilizada como meio de coação ou intimidação.

XII – E, por fim, não ser exigida pela administração pública certidão sem previsão expressa em lei., sendo ilegal delimitar prazo de validade de certidão emitida sobre fato imutável, inclusive sobre óbito.

 DIREITO ADMINISTRATIVO E REGULATÓRIO

Com vistas a reduzir a interferência do Estado na atividade econômica, a Lei 13.874/2019 dispõe sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, trata do exercício do poder regulatório e da intervenção mínima do Estado nas relações contratuais privadas.

Eis alguns dos pontos que merecem destaque:

  • Abuso do poder regulatório

A Lei da Liberdade Econômica estabelece que é dever da Administração Pública evitar o abuso do poder regulatório, restando vedado:

I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;

II – redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;

III – criar privilégio exclusivo para determinado segmento econômico, que não seja acessível aos demais segmentos;

IV – exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;

V – redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;

VI – aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios;

VII – criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço, ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros;

VIII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; e

IX – restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei.

  • Análise de impacto regulatório

Outra inovação da Lei da Liberdade Econômica é a exigência de que os entes públicos realizem análise de impacto regulatório para avaliar os possíveis efeitos da edição de ato normativo de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados. Tal análise deverá conter, na forma do regulamento a ser editado, informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo e a razoabilidade do seu impacto econômico.

 DIREITO TRIBUTÁRIO

Embora a Lei da Liberdade Econômica expressamente exclua sua aplicação no campo tributário, não deixa de trazer algumas influências, que se descreve adiante:

  • Comitê para uniformização das decisões da administração tributária federal

Uma das inovações trazidas pela Lei da Liberdade Econômica no campo tributário é a instituição de um comitê para edição de súmulas da administração tributária federal, formado por integrantes do Conselho Administrativo Recursos Fiscais (CARF), da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda.

Esse comitê diminui o poder normativo do CARF, uma vez que suas súmulas deverão ser obrigatoriamente observadas quando da edição de atos administrativos, normativos e decisórios. As decisões do CARF, portanto, deverão observar as súmulas editadas por esse comitê heterogêneo.

  • Dos recursos em matéria tributária

Outra importante influência que a Lei nº 13.874/19 traz a processo tributário é a autorização para que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional fique dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e de desistir de recursos já interpostos, nas seguintes situações:

I – ações cujo tema tenha sido objeto de parecer, vigente e aprovado, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, que conclua no mesmo sentido do pleito do particular;

II – a ação ou recurso trate de tema sobre o qual exista súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular;

III – nas ações com tema fundado em dispositivo legal que tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso e tenha tido sua execução suspensa por resolução do Senado Federal, ou tema sobre o qual exista enunciado de súmula vinculante ou que tenha sido definido pelo Supremo Tribunal Federal em sentido desfavorável à Fazenda Nacional em sede de controle concentrado de constitucionalidade;

IV – em temas decididos pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando: a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso     repetitivo; ou b) não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, conforme critérios definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional;

VII – cujo tema tenha sido objeto de súmula editada pelo Comitê para edição de súmulas da administração tributária federal, formado por integrantes do Conselho Administrativo Recursos Fiscais (CARF), da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda.

Portanto, no âmbito tributário, a Lei da Liberdade Econômica exerce influência na medida em que busca diminuir a burocratização e os litígios no âmbito administrativo tributário.

CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto que a Lei que institui a declaração de direitos de liberdade econômica (Lei 13.874/2019) estabelece garantias de livre mercado por meio da flexibilização de algumas regras no âmbito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho, incentivando o livre exercício de atividade econômica.

Sendo só o que temos para o momento, colocamo-nos, igualmente, à disposição, para esclarecer eventuais dúvidas, bem como para prestar os serviços que forem necessários.

 

Lima e Moreira Advocacia S/S

Participaram da elaboração desse informativo os advogados Haniely Galletti, Maikon Antonio Bahia da Silva, Mariana Costa Filizola, Rodrigo Mariano Torquato Maia, Thabita Maria Rodrigues Colares, e Vanessa Paula de Almeida Araujo